quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um ponto,

Tinha um cigarro em uma das mãos enquanto a outra estava jogada sobre o rosto poupando-a do sol. Usava a mochila como travesseiro no banco da praça - e aquele lugar a separava do mundo, acreditava. Questão de metros e a poluição áudio-visual-capitalismo-selvagem se desmanchava na calmaria que cobria o céu.

Alguns pensamentos incoerentes alternando os tragos. Se deu conta que saberia seguir sem as ilusões - não era preciso afinal que inventasse sentimentos ou se apoiasse em utopias. Se bastava, concluiu. Uma saudade lá, outra cá. Qualquer coisa como a linha tênue entre o amor e a dor, mas nada muito desesperador - tudo zen, meu bem.

Ora abria os olhos e podia precisar com exatidão o momento em que o céu passava de azul-quase-anil para azul celeste. Se atentava aos detalhes e não havia paz interior que fosse melhor atribuída do que ao silêncio sobrepondo o canto dos pássaros.

Ela era um ponto - lembrou de Clarice. E foi tão corpo que foi puro espírito. Atravessou os acontecimentos e as horas imaterial, esgueirando-se entre eles com a leveza de um instante. Um ponto maciço, singelo e singular. Ah, Lispector. Repetiu, dando um último trago que antecedeu o despertar do relógio avisando-a alguma coisa como corra-que-há-vida-do-outro lado: era um ponto, embora muitas vezes agisse feito vírgula.